Línguas africanas e o português do Brasil
[Locutor]
Você já reparou que a língua que falamos no Brasil é diferente do português falado, por exemplo, em Portugal? O que será que a nossa história tem a ver com isso? Uma das particularidades históricas do lugar que hoje chamamos Brasil é a intensa miscigenação que ocorreu por aqui ao longo de mais de cinco séculos. Essa mistura contribuiu para modificar e enriquecer toda nossa cultura e em particular a nossa língua. Vamos observar a influência das línguas africanas nesse processo.
[Locutor]
[entra trilha sonora]
Estima-se que cerca de 4,8 milhões de africanos tenham sido trazidos para o Brasil entre os séculos XVI e XIX para trabalhar principalmente nas lavouras e na mineração. A origem desses africanos era muito variada, mas a maioria pertencia à família linguística nigero-congolesa. Do grande grupo linguístico nigero-congolês vieram para o Brasil principalmente os falantes dos idiomas quimbundo, quicongo, iorubá (ou nagô), ewe e fon (também chamados de jeje). No Brasil, o intenso contato entre os indivíduos escravizados trazidos da África e os falantes do português e da língua geral - originada do cruzamento entre línguas indígenas e europeias - acabou provocando que chamamos interação linguística. Uma consequência disso foi que nossos modos de falar a língua mudaram e novas palavras foram incorporadas a ela. São de origem africana palavras como caçula, dengo, cafuné, samba e bagunça. Outros exemplos são os verbos cochilar, fungar, xingar e zangar. A palavra nhoka, também originária da África aqui virou minhoca. E kalumba se transformou em calombo. A maneira como falamos no nosso dia a dia também mudou em virtude da influência africana. Por exemplo: os ditongos ei e ou passaram a ser pronunciados como “ê” e “ô” em algumas regiões do país. Assim é comum ouvirmos as pessoas dizerem “bêjo” em vez de beijo, “mantêga” no lugar de manteiga e “lôco” como equivalente de louco.
O regime de escravidão que vigorou no Brasil impedia que a grande maioria dos negros dominasse a forma escrita da língua. Esse pode ter sido um dos motivos pelos quais a influência dos idiomas africanos ficou mais restrita ao campo da oralidade. Mas a rejeição a muitas dessas influências na norma culta do nosso português também pode ser em parte explicada pelo lugar que os negros foram obrigados a ocupar na sociedade brasileira e pelos preconceitos contra o que era associado à sua cultura. É importante reconhecer e valorizar este aspecto tão significativo da herança cultural africana fundamental para a formação da rica e diversa cultura brasileira. A língua que falamos também é resultado de processos sociais que aconteceram no passado. Ao mesmo tempo, ela oferece indícios para que possamos conhecer melhor a nossa história.